Em meio a uma revisão e modernização de sua economia, ainda em larga escala dependente do petróleo, a Arábia Saudita, dona da segunda maior reserva e maior exportadora de petróleo do mundo, tem projetos e recursos crescentes reservados para áreas tão diversas quanto infraestrutura, sustentabilidade, alimentos e inteligência artificial.
O Brasil pode ser um grande parceiro nessa empreitada e destino natural para boa parte desse capital – mas isso dependerá de o país ter bons projetos para compartilhar com os parceiros em potencial.
“Eles prometeram [em 2019] US$ 10 bilhões em investimentos em infraestrutura para o Brasil, mas queriam projetos, só que não foram apresentados projetos e esse dinheiro não veio”, disse Alaby em entrevista à CNN. “Então agora nos falta apresentar projetos viáveis.”
Alaby, que é consultor da Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e foi secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira por 35 anos, também avalia como positiva a entrada da Arábia Saudita e outros cinco países para o bloco dos Brics, embora entenda que o Brasil perde um pouco de relevância na nova configuração.
“Em vez de uma relação ‘sul-sul’, o bloco está ficando mais ‘sul-asiático'”, disse.
Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã foram os primeiros membros confirmados nos Brics para além das iniciais da sigla original, que reúne os fundadores Brasil, Rússia, Índia e China, além da África do Sul.
As novas adesões foram anunciadas durante a cúpula do bloco realizada em agosto em Joanesburgo.
A Arábia Saudita é o maior produtor mundial de petróleo. Ela tem um projeto, o Visão 2030, de desenvolver o país não só do ponto de vista das exportações de petróleo, mas também da indústria, do turismo e do agronegócio. Ela depende muito da segurança alimentar e tem dado incentivos para as empresas se instalarem lá, como fez com a BRF, por exemplo, que terá uma planta local para processar frangos e outros alimentos.
A população da Arábia Saudita é a maior do Oriente Médio, e eles não têm agricultura, não têm como produzir trigo, carne ou outros alimentos no deserto. O custo deles para produzir frango é 2,5 vezes o brasileiro. Cultivar trigo custa para eles quatro vezes mais do que para os Estados Unidos ou a Rússia. Então eles são obrigados a procurar fornecedores alternativos.
Eles veem o Brasil como um caminho natural para investimentos em energia alternativa, mineração, farmacêutica e a indústria de defesa e de alimentos.
O Brasil já é um parceiro importante. Nós dependemos muito da importação de petróleo e de nafta de lá, para fazer fertilizantes. Os sauditas têm petróleo leve, que é diferente do nosso e que precisamos para fazer gasolina. E nós exportamos muita carne para lá, além de frango, milho, soja, açúcar.
Então o Brasil tem grande potencial para desenvolver essas relações de comércio e investimentos com a Arábia, e dinheiro não é um problema para eles. Só o Fundo de Investimento Público, o fundo soberano da Arábia Saudita, tem mais de R$ 4 trilhões.
Eles prometeram US$ 10 bilhões em investimentos em infraestrutura aqui, durante o governo Bolsonaro, mas queriam projetos. Só que não foram apresentados projetos e esse dinheiro não veio. Então agora nos falta apresentar projetos viáveis. Um exemplo é a Ferrogrão, a ferrovia de grãos que vai unir Pará, Mato Grosso, Goiás, Tocantins. É de grande interesse para os árabes, porque vai melhorar o fornecimento de soja e de milho, de que eles dependem muito.
A entrada da Arábia Saudita e dos outros países, a partir de 2024, vai fortalecer a multipolaridade, ou seja, um mundo onde os Estados Unidos não são a força máxima.
A ONU, por exemplo, já não desempenho mais o papel preponderante que tinha nas relações diplomáticas – ela não consegue parar uma guerra. Então a gente vai vendo esses novos blocos que foram surgindo – o G20, o G77, os Brics. E o Brasil pode ter um protagonismo importante nessas relações diplomáticas.
Há muitas críticas à entrada desses países, como Irã, Arábia Saudita, Egito, que são países autocratas. Mas isso não invalida o poder comercial. Os Estados Unidos, por exemplo, comercializam com a China e com a Arábia Saudita normalmente.
Essa expansão [dos Brics] também deve permitir, em um futuro próximo, ter uma nova moeda de troca nas relações comerciais, além do dólar. A China já tem transações comerciais com a Arábia Saudita em yuan, por exemplo.
O grande ganhador, sem dúvidas, foi a China, que se fortalece para contrabalancear o poder americano. Para a China, os novos membros já são grandes parceiros e significam mais comércio, mais investimentos. Ela tem a rota da seda passando por ali. O Irã, por exemplo, vende mais de 50% do petróleo para ela. Os chineses também já têm negócios em yuan com a Arábia Saudita, ajudaram a promover a paz entre a Arábia e o Irã e têm também uma relação muito próxima com a realeza saudita.
Não significa que, por isso, o Brasil seja perdedor, mas ele perde um pouquinho da relevância, porque, de fato, em vez de uma relação ‘sul-sul’, o bloco está ficando mais ‘sul-asiático’.